
A discussão envolvendo impostos ou tributação é ampla e complexa, uma realidade constatável desde os tempos remotos, traz consigo apoiadores e críticos - seus apoiadores argumentam que é necessário tributar de forma a gerar receitas públicas – e com estas, proporcionar segurança, bens ou serviços à população, enquanto os críticos se opõem a tal prática, muitos chegando a alegar que o ato de tributar “não passa de um roubo”. A analogia serviria para ilustrar a “essência” da taxação: o Estado, esta entidade política que detém o monopólio do uso da violência em determinado território, obriga, por força de lei, que os cidadãos destinem parte de suas rendas para custear as atividades governamentais. O respeito às leis é, ultimamente, garantido por meio da coerção física. A aplicação ou forma de captar receitas via tributação difere de país para país mundo afora, apesar da tamanha semelhança entre alguns.
Não pretendo trazer à tona o facto de a tributação ser necessária ou não – mas adianto que, sou a favor da mínima taxação possível e da sua aplicação coerente e eficaz nas determinadas esferas sociais. No presente texto, usarei a curva de Laffer para expressar alguns dos possíveis impactos da arrecadação tributária através do IVA em Angola. Num dos artigos que escrevi, cujo título é: “Angola e FMI - Prós e Contras” frisei que as medidas impostas pelo Fundo seguem um “modelo padrão”, não havendo grandes diferenças de aplicabilidade nos países em que o mesmo já atuou, fatores não quantificáveis muitas vezes não são observados ou levados em consideração. Atuam mediante políticas pré-estabelecidas jogadas goela abaixo no país em que pretendem atuar. Com Angola não está sendo diferente.
A Curva de Laffer é uma representação teórica da relação entre o valor arrecadado com um imposto a diferentes Alíquotas. É usada para ilustrar o conceito de "elasticidade da receita tachável". Para se construir a curva, considera-se o valor obtido com as alíquotas de 0% e 100%. É óbvio que uma alíquota de 0% não traz receita tributária, mas a hipótese da curva de Laffer afirma que uma alíquota de 100% também não gerará receita, uma vez que não haverá incentivo para o sujeito passivo da obrigação tributária receber ou conseguir qualquer valor. Se ambas as taxas - 0% e 100% - não geram receitas tributárias, conclui-se que deve existir uma alíquota na qual se atinja o valor máximo. A curva de Laffer é tipicamente representada por um gráfico estilizado em parábola que começa em 0%, eleva-se a um valor máximo em determinada alíquota intermediária, para depois cair novamente a 0 com uma alíquota de 100%.
Literalmente, não dá para calcular o nível ótimo de arrecadação, pois, a maneira como os impostos afetam a atividade econômica depende de percepções subjetivas dos agentes afetados, tornando impossível quantificar seu impacto. Em função disto, não usarei a lógica de Laffer para quantificar o percentual ideal do IVA a ser aplicado em Angola, mas, frisar que, atendendo a realidade socioeconômica do país, aumentar a base tributária poderá não implicar em maiores receitas para o Estado - principalmente no médio e longo prazo.
Com a implementação do IVA em Angola na passada terça feira, o país configurou-se como o último da SADC a adotar tal sistema de tributação, num momento em que enfrenta uma das maiores crises econômicas de sua história, com mais de 40% da população jovem desempregada por não conseguir encontrar um emprego.
Quem tem dificuldade em comprar uma cesta básica de alimentos por 10.000,00Kz por ex. terá mais dificuldades ainda em pagar 10.000,00Kz + 14% deste valor – facto que pode limitar a demanda por cestas, contrair a oferta e consequentemente reduzir o nível de arrecadação tributária - considerando o mesmo efeito para os demais bens e serviços a disposição do mercado.
Como expressa a Teoria de Laffer, tributar em 100% seria o mesmo que tributar em 0%, pois, com 100% de arrecadação as empresas simplesmente fechariam, o consumo seria reduzido de forma drástica, comprometendo negativamente a geração de receitas dos empresários. 14% de tributação sobre o consumo pode ser nada para quem aufere milhões de kwanzas por mês. Mas, numa sociedade onde a maioria das famílias têm uma alta propensão marginal a consumir das suas rendas, maior tributação resultaria em queda no consumo. Sem sombras de dúvidas, a implementação do IVA e a elevação do índice de poupança têm uma relação inversamente proporcional, quanto mais o Estado aumentar ou alargar a sua base tributária, menores serão os índices de consumo e poupança das famílias.
Uma das jogadas do governo, primeiramente, foi a implementação de uma operação que falhou (Operação Resgate). Que teve como um dos seus objetivos principais minimizar ou pôr fim a venda informal no país. Pretendia-se organizar para melhor arrecadar. Por isso, a Operação Resgate veio antes da implementação do IVA.
Os caminhos em direção a informalidade vão aumentar, com o objetivo de se esquivar do fisco, as famílias vão passar a consumir menos – contraindo a venda dos empresários, somos um povo que pouco ou quase nada poupa, vamos passar a poupar menos – contraindo o nível de poupança em instituições bancárias, o que pode condicionar negativamente a geração de novos investimentos (Poucos poupadores, pouca emissão de crédito e transferências de recursos via empréstimos). No final, toda esta metamorfose pode configurar-se em menos arrecadação para o governo. Somos uma população sem renda, enquanto o desemprego persistir - assim como a operação resgate falhou os esforços do governo para arrecadar mais dinheiro do povo através do IVA e outros impostos vigentes também poderá ser uma tentativa falha, não deveríamos estar focados em implementar o IVA, deveríamos estar preocupados em reduzir a taxa de desemprego primeiramente, porque uma população desempregada (sem renda) não consome, e quem não consome não pode pagar tributos/impostos. Um dos principais componentes do PIB é o consumo, quando o consumo (de bens e serviços) baixa, o resto baixa também.
Mediante a estrutura socioeconômica do país, aumentar a base tributária não-necessariamente vai significar maior arrecadação, muito pelo contrário – poderemos estar diante de um crescimento marginal decrescente, como mostra a Curva de Laffer.
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